top of page
2ALCIR LENHAR2O_edited.png

Alcir Lenharo

O Alcir mais conhecido dos historiadores é aquele que produziu dois trabalhos, hoje tidos como clássicos sobre seus respectivos períodos. As tropas da moderação (1979), que constitui uma das mais instigantes análises de um período pouco estudado da história brasileira — o início do século 19, visto por meio do comércio interno de tropeiros, e A sacralização da política (1986), que renovou profundamente as formas de abordar um período dos mais tratados e menos compreendidos da história brasileira — o Estado Novo.
Deslocava-se com facilidade, como se vê, entre períodos, abordagens e fontes. Uma rápida olhada no conjunto de sua obra pode confirmá-lo: livros e artigos sobre Adoniram Barbosa e a cidade de São Paulo, a “marcha para Oeste” do período Vargas, o nazismo e seus significados do ponto de vista da comunicação, o cinema e particularmente as chanchadas da Atlântida.
No interior dessa produção, e com certeza cada vez maior, o tema da massificação da cultura despontava como um eixo ordenador das suas preocupações e pesquisas. Falou muito sobre isso em conferências, seminários e aulas, com a paixão que seu trabalho sempre lhe despertou e da qual foram testemunhas centenas de profissionais de sua geração e alunos que ele ajudou decisivamente a formar.
Mais apaixonado que tudo, no entanto, ele foi pelo que costumava chamar a “cultura do rádio”. Sou testemunha do começo desta história, origem nada acadêmica, em noitadas compartilhadas com amigos, regadas a uísque e a uma envergonhada (de minha parte) nostalgia mesclada com risadas, nas quais disputávamos quem sabia cantar mais os boleros e canções que ouvimos no rádio da nossa infância.
Mas para ele não eram apenas “horas da saudade”. Textos, cursos e orientação de trabalhos em torno das temáticas relativas ă massificação da cultura, particularmente nos anos 1930 a 1950, seguiram-se, a este primeiro momento, entremeados com instantes inesquecíveis da convivência pessoal: a volta de Ângela Maria e Caubi, o improvável retorno — oh little darling — de Lana Bittencourt em um obscuro teatro do centro e muito mais.
Um desses shows que vimos juntos, em uma boate cujo nome já não me lembro, foi da inesquecível Nora Ney. Cheia de dignidade, apresentava-se isenta de qualquer folclore saudosista.
Foi nesse dia que Alcir me revelou a nova empreitada em que se lançava: o trabalho solidário e desafiante, para um historiador com seu perfil, de dar forma às memórias de Nora e seu marido, o cantor Jorge Goulart, que desejavam deixar registrados seus testemunhos sobre os anos dourados do rádio (mas cinzentos da política, para dois artistas comunistas que atravessaram o Estado Novo c o regime militar pós-1964).
A cada encontro com o casal de artistas, o fã e o historiador, com uma visão cada
 vez mais aguda sobre aquilo que os depoimentos lhe traziam, iam se mesclando na definição de um perfil inovador.
Pois Alcir não desempenhou aí o papel — em todo caso digno e necessário — de um simples ghostwriter dos artistas. Ele conseguiu, em uma delicada ourivesaria, entrelaçar esses depoimentos com uma pesquisa original, calçá-los com contextos delineados com muita precisão e sutileza, fazê-los dialogar com a história, ultrapassando a dimensão da memória pessoal e afetiva ou da exposição de curiosidades que costumam marcar este tipo de abordagem.
O resultado final foi, como acontece sempre no meio acadêmico, mais um livro, Cantores do rádio — A trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o meio artístico do seu tempo (1995).
Alcir emocionou-se por ter conseguido concretizar o sonho dos cantores que queriam imortalizar no papel impresso suas memórias. Mas havia mais o que saudar aí, tratava-se de uma obra capaz de apontar novas perspectivas para o trabalho de historiadores debruçados sobre o período e sobre temas da cultura. Talvez, por isso, tenha parecido um tanto estranho a alguns círculos.

Sendo o melhor livro de Alcir Lenharo — todos de excelente qualidade, como mencionei — não mereceu nem sequer uma resenha em revistas acadêmicas ou na imprensa. Alguns devem ter olhado com desdém um livro fácil demais de ler. Outros, secretamente, consideraram o tema indigno das pautas historiográficas e jornalísticas. Alguns outros podem ter se sentido levemente constrangidos diante de um tema cuja importância incluíam, mas cuja dificuldade inibia aventuras interpretativas. Seja por que for, “0s cantores do rádio” mais uma vez foram condenados ao silêncio.
Creio que não poderia prestar a Alcir Lenharo melhor homenagem que lembrar sua risada roncada, dizendo a todos os que ignoraram o valor e a importância fundamental de sua obra: “Vocês não o que perderam!”. Para os que sabem, no entanto, restam as valiosas indicações que seu trabalho nos legou como uma herança dolorosamente prematura.

Principais Trabalhos Acadêmicos

  • LENHARO, Alcir. Fascínio e Solidão: As cantoras do rádio nas ondas sonoras do seu tempo. Luso-Brazilian Review, p. 75-84, 1993.

  • LENHARO, Alcir; MARSON, Adalberto. Corpo e alma: mutações sombrias do poder no Brasil dos anos 30 e 40. 1985.

  • LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Domcumetação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992.

  • LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Papirus, 1986.

  • LENHARO, Alcir. Nazismo: o triunfo da vontade. Ática, 1986.

  • LENHARO, Alcir. Cantores do rádio: a trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o meio artístico de seu tempo. Centro de Memoria Unicamp, 1995.

  • LENHARO, Alcir. Colonização e trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e centro-oeste. Campinas: Unicamp, 1986.

  • LENHARO, Alcir. Crise e mudança na frente oeste de colonização:(o comércio colonial de Mato Grosso no contexto da mineração). UFMT-Impr. Universitária-PROEDI, 1982.

  • LENHARO, Alcir. A Terra para quem nela não trabalha (a especulação com a terra no oeste brasileiro nos anos 50). Revista Brasileira de História, v. 6, n. 12, p. 47-64, 1986.

  • LENHARO, Alcir. A marcha para o azul. Anais do Museu Paulista, v. 33, p. 7-16, 1984.

Referências

  1. Projeto História: Revista do programa de estudos pós-graduados de História», São Paulo, v. 14, p. 257 - 259, jan./jun. 1997. Consultado em 17 de outubro de 2022.

.

Rodapé_site_do_IFCH.png
bottom of page